terça-feira, 8 de maio de 2012

Hospital Universitário Cajuru é condenado a pagar R$ 150 mil, a título de indenização por dano moral, a familiares de paciente que morreu de meningite


A 9.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná reformou, em parte (apenas no que diz respeito aos juros moratórios), a sentença do Juízo da 4.ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba que condenou o Hospital Universitário Cajuru a pagar aos familiares (mãe e irmã) de uma paciente que morreu de meningite pneumocócica a quantia de R$ 150.000,00, mais R$ 1.572,08, a título de indenização por danos materiais emergentes, bem como a devolver a importância de R$ 2.000,00 pagos pelos autores em razão do atendimento hospitalar.
A sentença, mantida pelos julgadores de 2.º grau, também fixou uma pensão mensal em favor da mãe da paciente falecida (S.B.R.) correspondente a 2/3 da quantia de R$ 678,62, incluindo 13º salário, que deverá ser paga pelo Hospital até a data em que a vítima completaria 65 anos de idade.
Os autores da ação relataram na petição inicial que a paciente (S.M.R.), por estar sentindo fortes dores na cabeça, na nuca e nos ouvidos, bem como náuseas (com vômito), foi levada, no dia 12 de julho de 2000, por volta das 11 horas, ao referido Hospital, onde veio a falecer na noite da mesma data.
Afirmaram que o óbito ocorreu por negligência da equipe médica do Hospital. Alegaram que somente após sete horas de sua entrada na referida instituição, e por causa da interferência do médico da família, foi realizado o exame que diagnosticou meningite, o que deveria ter sido feito de imediato em razão dos sintomas apresentados.
Disseram também que, mesmo depois de tomadas todas as providências para que a paciente fosse transferida para um apartamento, ela continuou na maca.
O magistrado de 1.º grau ressaltou que a equipe médica foi negligente ao não ter atentado para os sintomas da paciente, nem realizado o procedimento básico para detectar a meningite, qual seja, a manobra "sinais de Kernig e Brugdzisnki", que permite verificar por meio da contração de braços e pernas que há rigidez na nuca.
No recurso de apelação, o Hospital Universitário Cajuru alegou, em síntese, que a paciente estava fazendo um tratamento para otite, o que mascarou os sintomas da doença e impediu um diagnóstico preciso e que não houve erro médico, pois foram adotados os procedimentos conforme estabelecidos no Protocolo do Ministério da Saúde.
O relator do recurso, desembargador Renato Braga Bettega, consignou em seu voto: "Em que pese a argumentação contida na sentença no sentido de responsabilizar objetivamente o hospital mantido pela sociedade apelante, deve-se observar que o pedido indenizatório formulado é baseado na alegação de conduta culposa dos médicos do nosocômio".
"Assim, afastada a responsabilidade objetiva do hospital, há que se verificar a responsabilidade civil dos médicos, que é subjetiva, dependendo da prova da culpa dos profissionais, ou seja, o hospital somente será responsável por eventuais danos ocorridos ao paciente quando comprovado que houve culpa de quaisquer de seus prepostos."
"Ao atuar, o médico compromete-se a agir de acordo com as regras e os métodos da profissão, ou seja, a colocar à disposição dos pacientes todo o seu conhecimento técnico da melhor forma possível, sem, contudo, assumir o comprometimento de cura. Trata-se, pois, de obrigação de meio e não de resultado."
"Dessa maneira, conclui-se que a responsabilidade médica, embora contratual, é subjetiva com culpa provada, logo, não decorre do mero insucesso no diagnóstico ou no tratamento, seja clínico ou cirúrgico."
"Caberá, assim, ao paciente demonstrar que o resultado insatisfatório do tratamento teve por causa a negligência, imprudência ou imperícia do médico."
"Neste sentido, dispõe o artigo 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, que a responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante a comprovação de culpa e do nexo de causalidade entre a conduta e o dano."
"Observa-se dos autos que a filha e irmã dos autores deu entrada no pronto atendimento do hospital apelante com queixas de fortes dores de cabeça, tendo sido medicada com analgésico (Dipirona e Plasil) e deixada em observação às 12:55 do dia 12/07/2000."
"A paciente, após a medicação, se mostrou bastante agitada e com rigidez na nuca, segundo o prontuário médico acostado aos autos. Cerca de duas horas depois foi examinada por um neurocirurgião que solicitou exame de tomografia computadorizada, que não identificou nenhuma hemorragia cerebral."
"Como o quadro de saúde da paciente não apresentava melhora e diante da intervenção do médico da família foi realizado o exame de punção lombar pelo Dr. Silvio às 18:00h, que constatou a meningite pneumocócica."
"Mesmo ela tendo sido medicada com o antibiótico Ampicilina 1g logo em seguida (18:10h), e diante das dificuldades em encontrar um leito hospitalar, veio a óbito em razão de uma parada cardiorrespiratória (21:00h)."
"Cumpre registrar que o simples erro de diagnóstico não constitui erro médico capaz de ensejar direito à indenização, salvo se configurado que houve negligência, ou seja, na apuração da causa dos sintomas apresentados pelo paciente."
"Sobre o tema específico do erro de diagnóstico, Miguel Kfouri Neto explica que: ‘Do ponto de vista técnico, o diagnóstico consiste em identificar e determinar a moléstia que acomete o paciente, pois dele depende a escolha do tratamento adequado. O diagnóstico, entretanto, não é uma operação matemática. Às vezes, para se chegar ao diagnóstico correto, torna-se necessária uma agudeza de observação de que nem todo médico é dotado. Por isso, a doutrina, de modo geral, analisa detidamente tal questão. A determinação da responsabilidade civil médica, decorrente de erro de diagnóstico, revela-se muito difícil, porque se adentra a um campo estritamente técnico, o que dificulta enormemente a apreciação judicial, principalmente porque não se pode admitir em termos absolutos a infalibilidade médica. Por outro lado, como veremos, condições especiais do próprio paciente também podem determinar tais erros. Caracteriza-se pela eleição do tratamento inadequado à patologia instalada no paciente, com resultado danoso. O erro de diagnóstico é, em princípio, escusável, a menos que seja por completo, grosseiro. Assim, qualquer erro de avaliação diagnóstica induzirá responsabilidade se um médico prudente não o cometesse, atuando nas mesmas condições externas que o demandado'. (KFOURI Neto, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 87/88)."
"A essência da culpa, portanto, reside na previsibilidade dos acontecimentos, sendo este seu ponto nuclear. Sem ela é impossível fundamentar ou justificar um juízo de reprovação. Para configurar a responsabilidade civil faz-se necessário a caracterização da culpa, uma vez que não se presume."
"Para que seja devida a reparação civil, nos casos de erro médico, é necessária a presença da conduta culposa do agente nas modalidades de imprudência, negligência ou imperícia, o dano, e, principalmente, o nexo de causalidade entre a conduta médica e o dano."
"Com relação ao exame do conjunto probatório a doutrina assevera: ‘A postura do juiz, no exame da prova, em tema de erro de diagnóstico, não deverá se orientar na elucidação de intrincados métodos clínicos ou cirúrgicos e de terapêutica. A posição do julgador deverá ser a mesma adotada em face de qualquer outro erro profissional: ele terá de fazer fé e apreciar a questão à luz do alegado e provado, atendendo, sobretudo, aos pareceres dos peritos e depoimentos testemunhais'. (KFOURI Neto, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 88/89)."
"[...] extrai-se da prova pericial que o procedimento adotado pela equipe médica do nosocômio não foi correto."
"Cabe destacar que a meningite estava em estágio avançado na paciente e os médicos não tomaram as medidas que estavam a seu alcance para um diagnóstico adequado e célere, o que contribuiu para o falecimento da vítima."
"Consta de maneira cristalina do laudo pericial que a falha no primeiro atendimento realizado pelo plantonista que sequer foi identificado contribuiu para a demora no diagnóstico."
"Afora isso, a falta de suspeita por parte da equipe médica de que poderia ser meningite a doença que acometia a paciente acabaram por permitir o rápido avanço da infecção."
"Ademais, pode-se falar até em perda de uma chance, uma vez que a meningite pneumocócica é uma doença que possui tratamento eficaz que permite evitar qualquer seqüela e garante a plena recuperação do enfermo."
"Tendo em vista que a pretensão dos autores está baseada na suposta conduta culposa dos médicos do hospital ao não diagnosticar prontamente a meningite, e estando provado nos autos que suas condutas de atendimento em questão foram inadequadas restou configurada a responsabilidade objetiva do hospital."
"Assim sendo, diante da incorreção do procedimento adotado pelos médicos prepostos do hospital, deve o nosocômio responder pelos danos causados."
(Apelação Cível n.º 784918-1)
CAGC
Nota do Redator: O autor da obra "Responsabilidade Civil do Médico" (citada pelo relator), desembargador Miguel Kfouri Neto, renomado especialista em Direito Médico, será um dos conferencistas do "III Congresso Brasileiro de Direito Médico", que será realizado nos dias 14 e 15 de agosto em Curitiba (PR).

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