quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO VEREADOR E A IMUNIDADE PARLAMENTAR

Por Renné Fuganti
Advogado
Especialista em Direito Empresarial

A responsabilidade civil e criminal do Vereador é balizada e prevista no art. 29  cc com o art. 58 da Carta Magna brasileira vigente.
A legislação prevê que no art. 29,inc VIII, a inviolabilidade dos Vereadores  por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município.
Mas até que ponto a imunidade deixa de ser aplicada e o Vereador inicia a responsabilidade civil por seus atos?
Vejamos primeiro a redação dada aos artigos constitucionais.
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
VIII - inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município; 
(...)
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. 

Com base no Julgamento do Recurso Extraordinário n 210.917-RJ Sendo o relator Ministro Sepúlveda Pertence, em 12/08/98, em plenário afirmou o seguinte entendimento a cerca do tema:
“A inviolabilidade parlamentar elide não apenas a criminalidade ou a imputabilidade criminal do parlamentar, mas também a sua responsabilidade civil por danos oriundos da manifestação coberta pela imunidade ou pela divulgação dela: è conclusão assente, na doutrina nacional e estrangeira, por quantos se têm ocupado especificamente do tema.”[1]
A grande questão a cerca deste tema é saber a linha tênue que divide a imunidade da responsabilidade.  A Constituição Federal prevê em seu art. 29, VIII, c/c o art. 53, “caput”, a imunidade, mas tudo no direito pende de interpretação e o juiz pode interpretar a favor ou contra a pessoa.
O art. 29, inc VIII, prevê uma limitação territorial, ou seja, na circunscrição do Município, entendendo o Município atuante do Vereador, mas então se o Vereador está fora de seu Município em serviço a casa Legislativo não está protegido pelo preceito constitucional?
O doutrinador Hely Lopes Meirelles ensina em sua obra sobre a questão dos limites  da imunidade material dos Vereadores:
“Endentemos que o espírito do Constituinte foi o de conceder plena liberdade ao vereador na manifestação de suas opiniões sobre os assuntos sujeitos à sua apreciação como agente político investido de mandato legislativo local. Desta forma, ainda que esteja fora do Município, mas no exercício do mandato, como representante do Legislativo municipal, deve gozar dessa prerrogativa ao manifestar sua opinião, palavra ou ato.”[2]
Assim com tal interpretação fica claro que a territorialidade do município de estende, desde que o trabalho exercido seja em nome do Legislativo. Até porque ficaria contraditório o inc VII, do art. 28, da Carta Magna, se a interpretação fosse outra.
No mundo jurídico e em especial quando há sustentações orais ou declarações verbais sobre os mais variados temas, pessoas tendem a fazer insinuações ou ofensas diretas e indiretas àqueles que detém o cargo público que deve analisar, deliberar ou aprovar determinado tema.
A resposta deve ser a altura do questionamento ou acusação, mas sempre deve-se manter profissional e ater-se ao tema e evitar ataques pessoais.
Em caso recente no estado de Minas Gerais um vereador foi condenado ao pagamento de indenização por proferir ofensas a um jornalista chamando-o de “amarelo porque japonês é amarelo”, treteiro, caloteiro, entre outra palavras,
EMENTA: APELAÇÃO - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - DISCURSO DE VEREADOR NA CÂMARA MUNICIPAL - OFENSAS PESSOAIS DISSOCIADAS DO EXERCÍCIO DO MANDATO - ACUSAÇÕES DO OFENDIDO - CULPA RECÍPROCA - INOCORRÊNCIA - VALOR DA INDENIZAÇÃO - EXTENSÃO DO DANO. A inviolabilidade prevista no art. 29, VIII, da Constituição da República, é restrita à atuação parlamentar do vereador, ou seja, apenas exclui sua responsabilidade se o ato em tese ilícito foi cometido não apenas no exercício da função, mas em razão dela, nos limites dos interesses municipais. Se o vereador, ainda que em discurso na tribuna da Câmara Municipal, extrapola o exercício de seu ofício e passa a proferir ofensas pessoais como resposta a crítica de cidadãos à sua atuação legislativa, abusa da garantia constitucional e, portanto, ausenta-se do círculo de proteção dentro do qual é inviolável, para se responsabilizar por seus atos. Somente se verifica a chamada culpa concorrente caso a conduta do ofendido tenha relação de causa e efeito com o ato danoso, o que inocorre no caso de ofensas pessoais proferidas em resposta a outras ofensas. Recurso não provido. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0352.05.020767-4/001 - COMARCA DE JANUÁRIA - APELANTE(S): JOAO FERREIRA LIMA FILHO - APELADO(A)(S): HELENA ESCOBAR SAKAYA E OUTRO(A)(S), HERDEIROS DE ROBERTO SUSSUMU SAKAYA - RELATOR: EXMO. SR. DES. GUTEMBERG DA MOTA E SILVA
Ocorre que a manifestação do vereador, mesmo que com a intenção legítima e legal do direito de resposta a alguém que o havia ofendido extrapolou o limite do seu cargo e partiu para o campo pessoal com acusações e ataques verbais pessoais.
No entendimento do desembargador Gutemberg da Mota e Silva (relator), a inviolabilidade dos vereadores é restrita à sua atuação parlamentar, sendo necessário não só o vereador estar no exercício da função, mas também agir em razão dela. Para o magistrado, "a inviolabilidade pode ser reconhecida para isentar o parlamentar de responsabilidade por opiniões emitidas em razão de seu ofício, como, por exemplo, quando denuncia esquemas de corrupção de outros parlamentares ou autoridades do poder executivo, o que faz parte de sua função fiscalizadora".
Raul Machado Horta, comentando a garantia institucional sob comentário e citando doutrinadores franceses, leciona:
“A inviolabilidade obsta a propositura de ação civil ou penal contra o parlamentar, por motivo de opinião ou votos proferidos no exercício de suas funções. Ela protege, igualmente, os relatórios de trabalhos nas Comissões. È absoluta, permanente, de ordem pública. A inviolabilidade é total. As palavras e opiniões sustentadas no exercício do mandato fica excluídas de ação repressiva ou condenatória, mesmo depois de extinto o mandato, que imuniza o parlamentar em face de qualquer responsabilidade: penal, civil, administrativa,e que perdura após o término do próprio mandato”[3].
Diante de tais preceitos podemos chegar a conclusão que o vereador é imune, no seu exercício de Vereador. Todavia, se a situação e opinião ficar desvinculado  ao exercício parlamentar municipal, a imunidade  constitucional é descaracterizada, gerando a ilicitude do abuso de liberdade de expressão, injúria, calúnia ou difamação.
Insta salientar que não é porque o Vereador é imune que não está sujeito a punições, todavia, tais punições deverão seguir processo próprio previsto  no regimento Interno da Casa Legislativa.
O Regimento interno da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro com claro objetivo de não deixar dúvidas incluiu a expressão                            no texto do art.13, inc II, a impor a perda do mandato do vereador “cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar”
Devo ressaltar que a imunidade objetiva a separação de poderes através da possibilidade de expressão, voto e argumentos sem que o Vereador esteja sujeito a punições de outras casas, o que obstaria a separação de poderes.

Fontes:
MEIRELLES, Hely Lopes, Direito municipal brasileiro. 7 ed São Paulo : Malheiros, 1994.
HORTA, Raul Machado apud MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 6. ed. rev.
ampl. e atual. São Paulo : Atlas, 1999.
Revista Trimestral da Jurisprudencia, n 169(2), p. 731-732, ago. 1999.



[1] Revista Trimestral da Jurisprudencia, n 169(2), p. 731-732, ago. 1999.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes, Direito municipal brasileiro. 7 ed São Paulo : Malheiros, 1994. P. 454.
[3] HORTA, Raul Machado apud MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 6. ed. rev.
ampl. e atual. São Paulo : Atlas, 1999. p. 371.

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